sexta-feira, 28 de junho de 2013

Martha Medeiros

Quando criança, possuía três sonhos secretos, um deles tão secreto que não vou contar, pois sendo do departamento das coisas milagrosas, nunca aconteceu, nem irá. Os outros dois sonhos dependiam de dinheiro. Um era ter uma casa com piscina. Não rolou, mas sem traumas: hoje vivo num edifício que fica grudado a um clube cuja piscina é praticamente um lago. E como é frequentada por pouquíssimos sócios, tomei posse, ainda que eu apareça duas vezes a cada verão, no máximo. Depois de adulta, prefiro praia.

O terceiro sonho eu realizei. Era ter uma lareira.

Cazuza e Rita Lee foram parceiros numa música chamada Perto do Fogo, com um clima meio odara e que virou, para mim, uma espécie de hino a ser cantado em luaus, em volta da fogueira, a fim de cultuar esse símbolo da nossa ancestralidade.

Fogo é hipnótico, muito mais que televisão. Sou capaz de passar uma madrugada inteira em frente à lareira, eu que moro em Porto Alegre, logicamente, e não em Salvador, Recife ou Belém. Em Porto Alegre faz frio de verdade no inverno.

Cada pessoa acende o fogo a sua maneira. Parece fácil, mas nem sempre dá certo. O meu jeito funciona, então compartilho: pegue um jornal, rasgue ao meio algumas páginas (não a desta coluna, seja gentil) e enrosque-as com as duas mãos até que elas pareçam um canudo. Coloque dentro da lareira uns sete ou oito canudos de jornal. Em volta deles, distribua gravetos amparados verticalmente uns nos outros, como se fosse uma maquete da catedral de Brasília. Aí abra uma garrafa de álcool, encha a tampinha com o líquido e jogue o conteúdo sobre esses gravetos e jornais. Se respingou no seu dedo, lave as mãos antes de pegar a caixa de fósforos. Se não respigou, adiante.

Risque o fósforo e comece a acender as pontas dos jornais, de ambos os lados. Pronto. O fogo pegou. Fraquinho ainda, mas pegou. Passo seguinte: colocar delicadamente uma ou duas lenhas amparadas sobre a frágil catedral de Brasília, que vai ficar meio bamba com o peso, é assim mesmo. Se usar nó de pinho, melhor, o fogo dura mais. Agora é só abrir um bom vinho tinto, colocar uma música suave e agradecer por não ter saído de casa nessa noite fria.

Imagino o que meus leitores de Manaus, de Fortaleza e do Tocantins estejam pensando: coitada, delirou. Entendo, é o que dá vivermos num país de dimensões continentais. Mas convido a todos para descerem ao Sul e voltarem à idade das cavernas. Fogo aproxima, esquenta, inspira, romantiza qualquer cena. Fogo fascina, seduz, conecta com nossas ideias mais abrasadoras. Fogo arde, embeleza e nos remete a clichês a que é preciso se render ao menos uma vez na vida. Fogo é uma manifestação da natureza selvagem em meio às paredes civilizadas da sala. Não deixa de ser uma transgressão.

Mais chique que cascata na piscina.

Martha Medeiros
Lygia<3
 

"Quando criança, possuía três sonhos secretos, um deles tão secreto que não vou contar, pois sendo do departamento das coisas milagrosas, nunca aconteceu, nem irá. Os outros dois sonhos dependiam de dinheiro. Um era ter uma casa com piscina. Não rolou, mas sem traumas: hoje vivo num edifício que fica grudado a um clube cuja piscina é praticamente um lago. E como é frequentada por pouquíssimos sócios, tomei posse, ainda que eu apareça duas vezes a cada verão, no máximo. Depois de adulta, prefiro praia.

O terceiro sonho eu realizei. Era ter uma lareira.

Cazuza e Rita Lee foram parceiros numa música chamada Perto do Fogo, com um clima meio odara e que virou, para mim, uma espécie de hino a ser cantado em luaus, em volta da fogueira, a fim de cultuar esse símbolo da nossa ancestralidade.

Fogo é hipnótico, muito mais que televisão. Sou capaz de passar uma madrugada inteira em frente à lareira, eu que moro em Porto Alegre, logicamente, e não em Salvador, Recife ou Belém. Em Porto Alegre faz frio de verdade no inverno.

Cada pessoa acende o fogo a sua maneira. Parece fácil, mas nem sempre dá certo. O meu jeito funciona, então compartilho: pegue um jornal, rasgue ao meio algumas páginas (não a desta coluna, seja gentil) e enrosque-as com as duas mãos até que elas pareçam um canudo. Coloque dentro da lareira uns sete ou oito canudos de jornal. Em volta deles, distribua gravetos amparados verticalmente uns nos outros, como se fosse uma maquete da catedral de Brasília. Aí abra uma garrafa de álcool, encha a tampinha com o líquido e jogue o conteúdo sobre esses gravetos e jornais. Se respingou no seu dedo, lave as mãos antes de pegar a caixa de fósforos. Se não respigou, adiante.

Risque o fósforo e comece a acender as pontas dos jornais, de ambos os lados. Pronto. O fogo pegou. Fraquinho ainda, mas pegou. Passo seguinte: colocar delicadamente uma ou duas lenhas amparadas sobre a frágil catedral de Brasília, que vai ficar meio bamba com o peso, é assim mesmo. Se usar nó de pinho, melhor, o fogo dura mais. Agora é só abrir um bom vinho tinto, colocar uma música suave e agradecer por não ter saído de casa nessa noite fria.

Imagino o que meus leitores de Manaus, de Fortaleza e do Tocantins estejam pensando: coitada, delirou. Entendo, é o que dá vivermos num país de dimensões continentais. Mas convido a todos para descerem ao Sul e voltarem à idade das cavernas. Fogo aproxima, esquenta, inspira, romantiza qualquer cena. Fogo fascina, seduz, conecta com nossas ideias mais abrasadoras. Fogo arde, embeleza e nos remete a clichês a que é preciso se render ao menos uma vez na vida. Fogo é uma manifestação da natureza selvagem em meio às paredes civilizadas da sala. Não deixa de ser uma transgressão.

Mais chique que cascata na piscina." ( Martha Medeiros)

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